quinta-feira, maio 20, 2010

Os desastres de Sofia

"Pois logo a mim, tão cheia de garras e sonhos, coubera arrancar de seu coração a flecha farpada. De chofre explicava-se para que eu nascera com mão dura, e para que eu nascera sem nojo da dor. Para que te servem essas unhas longas? Para te arranhar de morte e para arrancar os teus espinhos mortais, responde o lobo do homem. Para que te serve essa cruel boca de fome? Para te morder e para soprar a fim de que eu não te doa demais, meu amor, já que tenho que te doer, eu sou o lobo inevitável pois a vida me foi dada. Para que te servem essas mãos que ardem e prendem? Para ficarmos de mãos dadas, pois preciso tanto, tanto, tanto - uivaram os lobos, e olharam intimidados as próprias garras antes de se aconchegarem um no outro para amar e dormir."

[Clarice Lispector]

Às vezes a gente escreve coisas em papéis e guarda. Às vezes a gente acha e é o momento de reler.

quarta-feira, novembro 11, 2009

De como me senti por trás da máscara

Começo já dizendo que essas palavras não serão suficientes. Nem essas, nem nenhuma das que eu conheça. Talvez ainda se invente. E que essas poucas sejam sentidas como se fossem muitas mais, infinitas.
Me sinto limitada, pois não sei como transcrever em palavras um sentimento.
Talvez esse abismo perdure para sempre, pois como já bem me disse o querido Rilke, “as coisas estão longe de serem tão tangíveis e dizíveis quanto se nos pretenderia fazer crer, a maior parte dos acontecimentos acontece num lugar em que nenhuma palavra jamais pisou.”
Eu tinha medo às vezes, medo de riscar o papel, medo de falar o que penso. Medo de perguntar perguntas bobas, medo de não ser simpática a alguém. Mas isso foi antes. Antes de me sentir sufocar dentro da máscara.
É incrível como uma coisa pequena como essa mexeu tanto comigo. Eu me senti renascer. Eu renasci dentro de uma máscara de gesso, daquelas comuns mesmo, que tantas crianças fazem na escola. Experiência que talvez pareça ínfima, mas que me marcou para sempre. Nem que seja na descoberta de uma possível claustrofobia. Acho incrível a relação eterna e mutante do por fora no por dentro e do por dentro no por fora.
Quando o gesso foi colocado no meu rosto eu já sabia quanto tempo duraria e como seria o desenrolar do processo. Teoricamente. Fisicamente.
A sensação era até agradável, era gelado, e escorria nas minhas feições. E eu pensava no quanto incrível seria me ver marcada na máscara. Como seria eu. Outra eu, material, não só a virtual do espelho, que me olha quando a olho, que não hesita quando a olho nos olhos. Me tocar o rosto meu. E pensava também na obra final, eu entre tantos outros, gentes, individualidades reunidas. Quanto cabe num olhar?
A única coisa que me seria permitida além de respirar, era pensar. Direito inalienável. Meus olhos não olhariam, meus lábios não se pronunciariam, as possíveis expressões de um rosto, já não se expressariam. Imobilidade.
Mas uma coisa é saber empiricamente que não terá escolha, e outra, muito diferente, é não ter. Quando todo o meu rosto estava coberto, tentei digerir a idéia. Dirigir as idéias. Não posso me mover. Não posso me mover. Não posso me mover. Não posso abrir os olhos. Não posso abrir os olhos. Não posso abrir os olhos? Essa foi a pior parte.
Ao contrário do gesso que endurecia, minha cabeça parecia um rio por dentro, e um dos mais caudalosos. Quanto mais pensava que tinha de me controlar, menos controlada me sentia. Uma sensação de desespero desesperadora, como de morte, como de falta de ar, como de falta de chão; perdi a noção de espaço e de tempo, por mais que soubesse que o lugar onde estava era grande e aberto, por mais que me convencesse que haviam passado somente minutos. Parecia escuro, pequeno e apertado naquela eternidade. Contei até cem até perder a conta. Segurei a mão de quem chegou perto, mesmo sem saber quem era. Tentava de qualquer modo manter contato com o mundo real.
E tudo que eu tinha naquele momento eram lembranças. Lembranças do que havia vivido até então. Minhas analogias, sentidos, sentimentos, pensamentos... lembranças.
Sem a visão, o paladar ou o olfato, minha audição e o tato se aguçavam. Ouvia a tudo e todos, reconhecendo mínimos detalhes, tentando me situar. E o tato me fazia sentir mais presa e aflita, sentindo o endurecimento da máscara. E o gesso começou a esquentar. E meu coração acelerava, e acelerava também minha respiração. E eu tentando manter a calma, comecei a me imaginar um feto, no útero protegido de uma mãe.
Mas eu ainda não podia abrir os olhos.
Ah, os olhos!
Como me faziam falta!
Talvez o fato de não poder abri-los me incomodasse mais do que a abertura em si.
Impotência.
Prisão.
Enquanto isso certas questões se incutiam em meio ao caos. Ouvi alguém perguntar quem era por baixo da máscara.
Quem era?
Só por ter o rosto coberto não seria eu reconhecida?
E minhas idéias e pensamentos?
Não seriam levados em conta? Não importariam?
Não ajudariam a definir quem era?
Mas como me comunicar? Como expor opiniões por baixo de uma máscara?
Foi quando pedi papel e caneta, através de gestos. Papel e caneta. Um gesto simples, impulsivo. Que mais tarde percebi bastante significativo. Descobri a escrita como indispensável ao meu viver. E é através dela que tento alguma ponte entre mundos. Tão importantes quanto comer ou dormir, para mim.
Quando a máscara pode ser finalmente retirada, vi, mesmo com os olhos ainda fechados, duas grandes bolas de luz amarela. A claridade do dia me inundando os olhos, os enchendo d’água. Foi como renascer. Ainda assim não conseguia me mexer. Os olhos ainda fechados, desta vez por opção. E isso era o que mais importava. Imóvel e incrédula da transformação que havia acontecido em mim, fui olhando a tudo como se fosse a primeira vez, percebendo texturas, cores. Mas ainda com um ar de reencontro. Foi um mergulho fundo. Tão fundo que não se se consigo voltar à superfície.
Indizível foi, indizível é.
Mas aqui jaz um conselho aos que se chamam humanos: se quiserem se auto-descobrir, desfaçam-se das máscaras.

Texto de 2006, para o trabalho da artista plástica Thila Paixão Lenk.

sábado, setembro 05, 2009

L'amour:

Très chic,
Mais parfois,
Pas vrai.

sexta-feira, setembro 04, 2009

Transcol's deep meditation

Chego a conclusões na vida andando de ônibus.

Algo de bom tem que ter.
Além, é claro, de ver "aço virando cartão postal". (aqui termina a parte ácida que acrescentei depois e não tem nada a ver, mas vou manter.)

Dessa vez, pensei que os problemas que acontecem nos relacionamentos em geral - digo, dos mais variados tipos deles - podem muito bem ser causados por uma coisa estranha que acontece, e à qual é difícil qualquer mortal resistir, que é começar, na convivência, a querer que o outro (no sentido de semelhante, o outro qualquer outro, o outro a humanidade) se comporte/aja/tome decisões/pense/produza ou sinta segundo seus próprios padrões/conceitos/parâmetros ou gostos, e a partir daí, tecer julgamentos - digo, dos mais variados tipos deles.

quarta-feira, agosto 19, 2009

Uma saudade de tempos mais delicados e sem tanta pressa.
Ver as coisas passarem devagar, beijar devagar.
Teia nostálgica pra desembaraçar dos olhos quando acordo.

Ultimamente parece que eu só acordo.

segunda-feira, julho 20, 2009

Conversa de doida


No caderninho da Vale mesmo.
Rá. O único que veio à mão.
É engraçado... é muita coisa estranha nessa vida.
Não, não é engraçado.
Às vezes dá até um mau humor na gente.
A vida não é sempre bonita que nem nas fotos.
Às vezes a gente não sabe o que fazer com a gente.
Às vezes a questão do ego pega a gente de jeito.
Não sei que porra é essa de tanta questão existencial.
Eu não consigo escrever há mais de um ano.
Eu sou tão crítica.
Eu sou tão do contra.
Eu sou tão sarcástica.
Eu mereço uma rasteira.
Essa rasteira.
Esse engasgo.
Um nó. Três vezes. Um nó.
Eu rezo pra que se afaste de mim esse peso,
Mas eu não sei que peso é esse.
Acho que estou ficando velha.
Em meus vinte e um anos e meio.
E penso, que bobagem.
Que bobagem.
Eu sou tão boba.
Tão dramática.
Tão auto-destrutiva, ai credo.
Que bobagem.
A vida vai...
Por caminhos inimagináveis.
E às vezes existem surpresas boas.

.pausa.

É... não to conseguindo sentir agora o sentimento de frescuras e suspiros atrás de cada esquina rendada, embora eles existam na minha imaginação.
I’m Dark side.
Humanos atrás de máquinas.
Improvement a máquina.
Conflitos.
Internos, externos. Aos montes.
Não consigo resolvê-los em grupo, não consigo resolvê-los sozinha.
Não consigo resolvê-los.
Mas o tempo é ponte e há de passar.
E me trazer outros tempos.
Mas como outros tempos se a ponte os liga aos tempos de agora?
Isso é terapêutico?
Listar todos os maus pensamentos da gente para reconhecê-los, saber da existência deles?
Já ajuda a resolver?
Talking Cure?
É preciso é falar... falar... falar pelos cotovelos, falar...?

Preciso falar sozinha.

Será que é só uma questão de falta de tempo?
Ou de fuga?
Ou de qualquer outra coisa que me falte, meu deus?

[O resto não. Porque tenho vergonha.]

quarta-feira, julho 08, 2009

Olho de canto

e aproveito bem meus dias de unhas vermelha...